Em um mundo onde cerca de 800 milhões de pessoas sofrem com a falta de comida, a quantidade de toneladas de alimento despejada no lixo todos os dias representa um dos mais graves desafios a serem superados diante de um futuro ameaçado pela escassez de recursos. No Brasil, essa situação não é diferente e, pior, tem sido sustentada por hábitos de consumo incompatíveis com o que se pode esperar de uma sociedade consciente.
Dados da pesquisa sobre hábitos de consumo e desperdício de alimentos apresentada nesta quinta-feira (20), no “Seminário Internacional União Europeia – Brasil: Perdas e desperdício de alimentos em cadeias agroalimentares: oportunidades para políticas públicas”, revelam a dimensão do problema: 41,6 quilos de comida são desperdiçados por pessoa a cada ano. Diariamente, cada família brasileira joga fora 353 gramas, o que dá um alarmante total de 128,8 quilos de alimento que deixam de ser consumidos e vão parar nos contêineres de lixo.
E mais: na liderança dos alimentos mais descartados estão o arroz (22%), a carne bovina (20%), o feijão (16%) e o frango (15%), presentes nas refeições da maior parte da população. O arroz e o feijão, que encabeçam a triste estatística, são dois dos principais ingredientes de um cardápio considerado ideal para suprir as necessidades de nutrientes do organismo.
Para tentar explicar essas distorções, o estudo constatou ainda que, por trás dos números do desperdício, estão fatores comportamentais, como a valorização da fartura, em diferentes etapas do consumo – desde a compra até o preparo do alimento. A necessidade de compras em grande quantidade, para manter a despensa abastecida, foi confirmada por 68% das pessoas que responderam à pesquisa e que, por sua vez, afirmaram, em 52% dos casos, achar importante o excesso. Mais de 77% admitiram a preferência por ter sempre comida fresca à mesa, o que leva 56% delas a cozinhar em casa duas ou mais vezes por dia, contribuindo com a preservação da ideia de que “é sempre melhor sobrar do que faltar”.
Comida demais
Segundo o analista da Embrapa Gustavo Porpino, líder do projeto dos Diálogos Setoriais União Europeia – Brasil, os dados reforçam a heterogeneidade do mercado consumidor, evidenciando que boa parte da amostra desperdiça pouco alimento, mas há um segmento que ainda desperdiça muito. “Renda e idade não explicam a diferença entre os que desperdiçam mais e os que desperdiçam menos alimentos, mas percebemos que as classes A e B têm maior tendência a desperdiçar hortaliças, até porque as classes de menor renda consomem pouco esse tipo de produto”, explica.
Outro dado identificado pela pesquisa apresentada nesta quinta-feira foi o de que em 59% das pessoas disseram não dar importância se houver comida demais. Por outro lado, 94% afirmaram ser importante evitar o desperdício de comida – uma contradição também observada no estudo Mesa dos Brasileiros, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
“É preciso perceber que a complexidade da situação transcende o descarte dos alimentos que deixam de ser consumidos”, alertou o presidente da Embrapa, Maurício Lopes. “Trata-se do reflexo de um defeito no design do modelo econômico que se consolidou e que acaba tendo implicações em todas as demais dimensões, como a ambiental, que acaba despendendo energia para produzir um alimento que não é aproveitado”.
Para o embaixador da União Europeia no Brasil, João Gomes Cravinho, o esforço de pesquisadores brasileiros em trabalhar no tema tem o apoio da comunidade internacional. “Faz parte das nossas prioridades cooperar com o Brasil para enfrentar esse desafio, que, na verdade, é um desafio de todos”, disse, destacando o compromisso com o cumprimento das metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que preveem a redução do desperdício em 50% até 2030.
Fonte: Massa News